Transcendência, eis uma palavra absolutamente fora de moda. Nesses dias tão nervosos, onde o que conta mesmo é o consumo imediato de qualquer “coisa” e não a “coisa” em si, o utilitarismo se sobressai a tudo. E corrompe tudo, inclusive a razão de ser do cinema, refém das demandas de um mercado excludente e pouco flexível. Por isso o abismo entre o cinema de arte e o comercial é cada vez maior: enquanto a propagação do pensamento não for lucrativa, transcendência será um mero verbete no dicionário.
Muito além dos dicionários e dos mercados, transcender significa reconhecer o homem e suas contradições. Significa aceitar outras formas de relacionar-se com o mundo, em vez de acatar a noção generalista de felicidade difundida pela publicidade e pelos manuais de auto-ajuda. Como projeção da vida, o cinema pode ser uma experiência transcendental e plena de significados que extrapolam a mesmice. Inúmeros cineastas do Sudeste Asiático e do Extremo Oriente são capazes de confirmar isso e estão prontos para estabelecer um diálogo com o público brasileiro. Só falta a oportunidade.
Não é o caso de entrar em detalhes, já que o mercado ( esse ente misterioso ) tem razões que a própria razão desconhece. Basta citar o fato: embora tenham acolhida nos grandes festivais ocidentais, os mais ambiciosos filmes asiáticos dificilmente estréiam aqui. Devido ao descaso dos distribuidores e exibidores locais, é impedido o contato do público com os nomes mais representativos do cinema contemporâneo. É o caso do taiwanês Hou Hsiao-hsien, cuja obra nunca rompe a barreira dos festivais. Não é por falta de virtudes técnicas e humanas. Afinal, ele se encontra entre os grandes da sétima arte.
O mesmo ocorre com os tailandeses Apichatpong Weerasethakul e Pen-Ek Ratanaruang, entre outros sutis demolidores de convenções sociais e cinematográficas resgatados pela mostra Oriente Desconhecido. Com a exibição de 12 longas do período 1997-2006, todos inéditos no Brasil, ela se propõe a compensar um histórico de indiferença. Assim, enfatiza seis diretores de cinco países. Jia Zhang-ke ( China ), Kim Ki-duk ( Coréia do Sul ) e Yu Lik-wai ( Hong Kong ) se unem a Hsiao-hsien, Weerasethakul e Ratanaruang em programação dedicada à formação de espectadores inquietos e à revalorização da transcendência – o antídoto para os dias nervosos e para a mesmice.
Gustavo Galvão
Cineasta
All Tomorrow,s Parties | (Yu Lik-wai, Hong Kong, 2003) | 96 min.
Dois irmãos estão presos em campo de reeducação na China pós-apocalíptica. Liberados cinco anos depois, eles tentam redescobrir os prazeres da vida em cidade abandonada.
Blissfully Yours | (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia, 2002) | 125 min.
Banido na Tailândia, o filme acompanha duas histórias paralelas: a da mulher que não se satisfaz no casamento e a da jovem que se envolve com um imigrante ilegal.
Invisible Waves | (Pen-Ek Ratanaruang, Tailândia, 2006) | 115 min.
Depois de matar a namorada do chefe a pedido dele, cozinheiro foge de Macau e tenta se reestruturar numa praia na Tailândia. Uma série de infortúnios dificulta seus planos.
Last Life In The Universe | (Pen-Ek Ratanaruang, Tailândia, 2003) | 112 min.
Bibliotecário japonês em Bangkok está a ponto de se jogar da ponte quando testemunha a morte de uma garota. Neste momento, entra em sua vida a irmã mais velha dela.
Love Will Tear Us a Part | (Yu Lik-wai, Hong Kong, 1999) | 114 min.
Diversos chineses chegam a Hong Kong com a esperança de vencer na vida. No lugar do sucesso, conhecem a frustração e acabam recorrendo a trabalhos inglórios.
Last Life in The Universe | (Millenium Mambo, Hou Hsiao-hsien, Taiwan, 2001) 119 min.
Vicky é uma jovem atraente. Ela trabalha em um clube noturno e se vê dividida entre dois homens. O primeiro é sustentado por ela. No outro, ela encontra um refúgio.
Samaria | (Kim Ki-duk, Coréia do Sul, 2004) | 95 min.
Jovem agencia a melhor amiga como prostituta, até que esta sofre um grave acidente. No leito de morte, pede um favor: ela quer ver o homem por quem se apaixonou certa vez.
Syndromes and a Century | (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia, 2006) | 105 min.
Na primeira parte, o filme acompanha as experiências de jovem médica na área rural da Tailândia. Na segunda, situações semelhantes são vividas por um doutor na capital.
The World | (Jia Zhang-ke, China, 2004) | 140 min.
O impacto da globalização na China é discutido por meio de parque temático na periferia de Pequim. A rotina de funcionários solitários e desiludidos conduz a trama.
Three Times | (Hou Hsiao-hsien, Taiwan, 2005) | 132 min.
Os mesmos atores, um casal, vivem os papéis centrais em 1911, 1966 e 2005. Em cada história, o amor e a comunicabilidade se adaptam à época em questão.
Tropical Malady | (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia, 2004) | 120 min.
Dividido em dois, o filme parte do romance entre soldado e homem do campo e termina com a ameaça de uma entidade secreta que irrompe das florestas.
Xiao Wu | (Artisan Pickpocket, Jia Zhang-ke, China, 1997) | 105 min.
Wu é um batedor de carteiras. Ao contrário de seus amigos, ele é incapaz de largar a vida de crimes e logo se vê solitário.
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Concepção e Curadoria: Gustavo Galvão www.gustavogalvao.com
Produção: Lavoro Produções Artísticas
Produção Executiva: Lara Pozzobon
Coordenação de Produção: Simone Evan (Rio)
Produção Internacional: Cássio Pereira (Pequim)
Admissão Temporária de Filmes: Miriam Gerber
Assistentes de Produção: Dani Pinheiro (Rio), Octavio Blasco (São Paulo), Vinícius Ferreira (Brasília)
Edição do Livreto: Gustavo Galvão
Textos: Gustavo Galvão
Revisão de Textos: Cristiane Oliveira, Jandira Galvão
Assessoria de Imprensa: Objeto Sim - Eli Rocha e Liliane Schwob (Rio De Janeiro), Foco Jornalístico - Regina Cintra (São Paulo)
Direção de Arte, Design e Ilustrações: Glauco Diógenes Studio, www.glaucodiogenes.com.br
Fotos de Divulgação: Celluloid Dreams (França), Cineclick Asia (Coréia Do Sul), Fortissimo Films (Holanda)
Tradução e Legendagem Eletrônica: 4 Estações (Rio e São Paulo), Tatiana Kalil (Brasília)
Agradecimentos: Apichatpong Weerasethakul, Celine Li, Esteban Pinillagustavo Acioli, Jia Zhang-Ke e Laura Marques